06 abril, 2005

Viagens: Ciclo do Salitre no norte chileno

Cruzando o altiplano do norte chileno, chama a atenção a grande quantidade de minas de salitre abandonadas. São fantasmas de um passado de opulência, quando o salitre – usado como fertilizante e como matéria-prima para a pólvora - era o principal produto da economia do Chile. Nas imensidões desérticas das regiões de Tarapacá e Antofagasta, são dezenas de “oficinas salitreras”, como eram chamadas as companhias que exploravam o nitrato de sódio do subsolo chileno, da extração ao refino. As propriedades fertilizantes do mineral já eram conhecidas pelos indígenas pré-colombianos, que adubavam as lavouras com “caliche” moído. No século XVII, os espanhóis começam a utilizar o salitre na fabricação da pólvora negra usada nas numerosas minas do Vice-reino do Peru, que abrangia também Chile e Argentina. As primeiras iniciativas para explorar industrialmente o salitre vêm do início do século XIX. É quando começam a se constituir as “oficinas salitreras” que se instalam junto às jazidas, formando núcleos que reuniam a atividade de extração do minério, as usinas de processamento do salitre, a administração das companhias e as casas dos operários. O trabalho era duro, as condições difíceis e a única opção para o abastecimento eram os armazéns das próprias companhias, as “pulperías”. Dentro das “oficinas salitreras” não circulava dinheiro – as compras eram feitas com fichas cunhadas pelas companhias e usadas como vales pelos operários. Para escapar ao controle férreo das companhias – que ia dos preços aos costumes – os trabalhadores recorriam a povoados como o de Pampa Unión, construído no meio do deserto, em torno de uma estação da linha férrea que levava o salitre até os portos e trazia os produtos de consumo e os instrumentos necessários à indústria do salitre. Cercado por dezenas de “oficinas salitreras”, Pampa Unión nunca chegou a ter uma igreja, mas teve quase cinqüenta bordéis, um teatro e um ginásio de boxe. Ali, além de diversão, comida e bebida, os trabalhadores do salitre encontravam roupas e artigos que não estavam disponíveis nas “pulperías”. Quando, no esforço de guerra, os alemães descobriram como produzir salitre sintético, ao mesmo tempo jogaram a pá de cal sobre o ciclo do salitre. O mercado deixou de ser cativo da produção chilena e as “oficinas salitreras” entraram em decadência. Hoje, o Chile ainda exporta salitre para a China, para uso como fertilizante, mas a maioria das usinas fechou por volta de 1930. Espalhadas ao longo do árido planalto do norte chileno restaram as estruturas abandonadas das fábricas, enterradas na areia como barcos encalhados. Em Pampa Unión, através das filas de casas sem telhados, portas ou janelas, o vento faz ressoarem melodias muito diferentes daquelas dos tempos alegres dos dias de riqueza e fartura. As ruínas são uma lembrança sólida da fugacidade da presença humana e um horizonte perdido para milhares de pessoas que viveram a dureza e as alegrias do ciclo do salitre. (agosto 2001)

Nenhum comentário:

Postagem em destaque

Viagens: Antofagasta, onde o Chile foi Bolívia

Antofagasta, espremida entre as montanhas e o mar, fica na região conquistada pelo Chile em 1879 na Guerra do Pacífico, que cortou a saída b...