06 abril, 2005

Viagens: Um trem vai às nuvens


Uma importante rota de comércio e uma atração turística impressionante, com paisagens deslumbrantes e trechos de tirar, mesmo, o fôlego. Assim é o Tren a las Nubes, o Trem das Nuvens, que cruza a Província de Salta, norte da Argentina.

Subindo a Cordilheira dos Andes e ligando Salta ao porto de Antofagasta, no Chile, o Trem das Nuvens é o terceiro mais alto do mundo e o único a transpor a altitude de 4400 metros sem o uso do sistema de cremalheira. Um orgulho da engenharia argentina, a estrada de ferro sai da estação de Salta, a 1187 metros de altitude e sobe até a “puna” – o planalto andino - com o uso de sistemas engenhosos para vencer os obstáculos. Além de túneis e viadutos, o engenheiro Richard Maury lançou mão de artifícios como o zigue e zague, onde a composição ganha altitude avançando para frente e para trás em ramais paralelos de trilhos. Em alguns trechos, a estrada de ferro passa sobre o próprio traçado, fazendo os chamados rolos, com a ajuda de túneis e pontes.


O Trem das Nuvens foi construído para levar os produtos do norte argentino até o Oceano Pacífico, mas hoje é uma das atrações turísticas mais importantes de Salta, com saídas todos os sábados. A viagem de ida e volta até o viaduto La Polvorilla – ponto culminante do passeio, a 4220 m de altitude – dura quatorze horas. O trem, com vagão restaurante e bar, sai da estação às 7h05, ainda escuro nesta época do ano e só chega de volta às nove da noite.

No percurso, o viajante cruza a bonita Quebrada del Toro, o vale do Rio Toro, palavra derivada da língua indígena Quíchua que descreve a cor escura e o aspecto barrento das águas que descem das montanhas.

Enquanto se sobe, dá para notar a mudança na vegetação: as árvores dão lugar aos “cardones” cactos de dois a três metros de altura que crescem de um a quatro centímetros por ano por causa do clima muito árido. Leva cem anos para um "cardón" chegar a um metro de altura.

Depois dos três mil metros de altitude, até os cactos desaparecem e o planalto é seco, coberto de moitas de plantas rasteiras como a palla brava e a muña muña conhecida como o Viagra andino, por causa dos poderes afrodisíacos. Ao longo do caminho, dá pra ver das janelas rebanhos de lhamas e jumentos pastando perto dos currais de pedra e das casas de barro dos habitantes da região. Ao longe se avistam picos cobertos de neve como o do Nevado Chani.


Enquanto vai subindo, o viajante começa a sentir os efeitos da altitude: dor de cabeça, tonturas e um pouco de fadiga. Mas não é nada muito incômodo e os saltenhos recomendam ir mascando folhas de coca para equilibrar a pressão e evitar o desconforto.


Depois de chegar ao viaduto La Polvorilla, de 63 m de altura e 224 m de comprimento, o Trem das Nuvens começa a voltar até a cidade de San Antonio de los Cobres, pouco mais do que um povoado plantado a 3774 metros de altitude em meio à fantástica amplidão do planalto andino. Durante a parada, o turista tem a chance de conhecer o artesanato do povo Kolla, que vive na punã: são xales, coletes, cachecóis, luvas e meias de lã de lhama. As crianças carregam cordeirinhos para tirar fotos e “llamitas” – miniaturas de lhama feitas de lã. Depois das compras e de uma cerimônia de Pachamama, de oferendas à mãe terra, o trem retoma o caminho até Salta. (agosto 2001)

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